Entre, embarque, navegue.

07/02/18

Reflexões a respeito de Madame Bovary, por Dante Gallian

Para Ler e Discutir em Casal
Além de Anna Kariênina, outro livro que também estarei trabalhando no Laboratório de Leitura da Casa Arca a partir do dia 31/01 ( ver em http://casaarca.com.br/…/madame-bovary-gustave-flaubert-la…/ ) é “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert. Outro grande clássico, com uma temática bastante próxima do primeiro: a traição feminina. Quem, entretanto, pensa que Madame Bovary, assim como Anna Kariênina, não passam de histórias sobre traição, precisa rapidamente rever sua posição, de preferência lendo, sem preconceitos, estes verdadeiros tratados sobre a alma humana. A obra de Flaubert, em especial, com sua narrativa pictórica e realista, de um lado e simbólica e mística, de outro, propõe (com a mesma profundidade e eficácia da de Tolstói) um mergulho fascinante na sensibilidade feminina – aliás é impressionante ver como estes dois autores conseguem encarnar, de forma absolutamente convincente, o feminino ao escreverem! Flaubert nos mostra que Me. Bovary, antes de ser a traidora, é, a princípio, a traída. Mostra como a mulher, despertada em sua sensibilidade e sua inteligência, sem seus sonhos e seus anseios, é a encarnação maravilhosa do desejo. Do desejo que quer mais, que busca ir além e que se estabelece como uma força mobilizadora que visa o crescimento, o rompimento dos limites, a “ampliação da esfera da presença do ser”, como dizia Montesquieu ao falar da humanização. E tudo isso provocado pelo quê? Pela literatura, pelos romances, pelas histórias que Emma Bovary lê e ouve desde jovenzinha. Ao se casar com o Dr. Charles Bovary, médico honesto, trabalhador, bem assentado, porém acomodado e sem imaginação (como sói acontecer com boa parte dos homens, diga-se de passagem), Emma alimenta sonhos e quer compartilhá-los com seu novo príncipe encantado. Ela, muito timidamente, começa a ler e recitar poemas que lhe tocavam a alma; comenta trechos interessantes dos romances que está lendo e pergunta-lhe coisas, que Charles ouve sem compreender, sem dar a devida atenção, pois afinal, como bem coloca Flaubert, “Charles não sabe nada (além da medicina e das coisas cotidianas, prosaicas da vida), não ensina nada, não responde nada”, apesar de ser um marido fiel, compreensivo e até carinhoso. Ao se acomodar em sua função de marido bonzinho e obediente, Charles perde a oportunidade de ser o homem, o amigo, o amante de sua esposa. E sem perceber nada, em sua postura quase bovina (talvez não seja à toa o nome Bovary), de bom pé de boi, Charles, deixando escapar a oportunidade de ser o interlocutor privilegiado de sua mulher, lança-a, sem perceber, num abismo de solidão sem retorno, levando-a a buscar desesperadamente o Outro que lhe falta. Num primeiro momento de forma inocente, depois…
Como todas as tragédias, “Me. Bovary”, é claro, não tem final feliz. Mas não é assim que devem ser todas as tragédias? As tragédias, como há pouco comentava aqui no face, citando a Nelson Rodrigues, nos jogam em meio ao desconfortável, ao triste, ao grotesco, justamente para que nós possamos experimentar as consequências das paixões desvairadas sem tê-las que, necessariamente, sofrer suas consequências na vida real. Elas expurgam nossos monstros (pelo menos temporariamente) para que eles não tomem conta de nós.
Ler “Me Bovary” pode ser um meio bastante eficaz de expurgar os monstros que rondam a vida de qualquer casal; monstros que se alimentam da incompatibilidade de inteligências e sensibilidades; que se alimentam da falta de compreensão e diálogo; da incapacidade de transito entre o masculino e o feminino no interior de cada alma, de cada mente de cada um dos dois.
Tenho certeza que ler “Me. Bovary” pode ajudar muitos casais que, sem se preocuparem com o investimento intelectual e sentimental que a relação exige, podem, bovinamente, deixar que seu casamento vá pro brejo. Por isso recomendo vivamente a sua leitura em casal. Para que as mulheres aprendam a importância de cultivar um interlocutor e para que os homens aprendam no que dá ser tão bovino como Charles Bovary.

Dante Gallian

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