Entre, embarque, navegue.

07/02/18

Reflexões sobre D. Casmurro, por Dante Gallian

Olhos de Ressaca
Juro que não foi de propósito. Mas só depois de muito tempo em que Beatriz Gallian e eu decidimos quais os livros que iríamos propor nos três grupos de LabLei da Casa Arca para abrir os primeiros três ciclos do ano é que percebi que todos eles tratam de… TRAIÇÃO! Os dois primeiros já comentei aqui: Anna Kariênina e Madame Bovary. E agora, quando me preparava para escrever este post sobre o livro que iremos começar a discutir nas quintas-feiras à noite, “Dom Casmurro” de Machado de Assis ( http://casaarca.com.br/event…/dom-casmurro-machado-de-assis/ ) lembro-me que o tema é de novo o mesmo – ainda que neste caso permanecemos até hoje sem saber se a traição foi ou não consumada. Muitos talvez estejam pensando: hum, será que foi mesmo sem querer? E se foi mesmo, não é ainda mais estranho? Freud explica…
Deixando de lado as questões de ato falho ou de sincronicidade (se formos por uma linha mais junguiana), sobre “Dom Casmurro” queria dizer que muito mais do que a questão do ciúme e da traição, me chama mais a atenção – de novo – o tema do feminino. Não sei, talvez a influência da minha releitura recente de “Madame Bovary” que me predispôs para tal percepção, mas nunca como agora me chamou tanto a atenção a força, a inteligência e o magnetismo da heroína da história, Capitu. Que mulher!
Como, nesta enésima leitura do melhor livro de Machado de Assis (a meu ver), me ficou patente o contraste entre a puerilidade quase apática de Bentinho e a maturidade arrebatadora e intrigante de Capitu. Bem diz o próprio Bentinho no capítulo 31, intitulado “As Curiosidades de Capitu”: “Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem”. E mais uma vez me vejo aqui intrigado com a mesma questão que, de maneiras diferentes, aparecem com incrível força nesses três referidos romances, um russo, outro francês e outro brasileiro: a mulher é o ser que movimenta o homem; é ela quem o desafia e o provoca, obrigando-o a se mexer, a tomar decisões, a ser… Ou… a não ser. A mulher aparece nestas histórias como elemento da graça ou da desgraça masculina, dependendo da resposta que estes pobres homens dão às provocações femininas.
Capitu tens os “olhos de ressaca”. Mas não daquela ressaca que se tem depois de uma noitada de bebedeira e sim daquela que caracteriza o mar nos dias em que resolve apresentar-se com toda sua força e ímpeto. Os olhos de Capitu “trazia não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”. Capitu, em parceria com Anna K e Emma Bovary, representa o poder de sedução e de despertamento que retira o masculino da ingenuidade e acomodamento edênico e o força a ser homem; a encarar as ondas do mar revolto e impreciso da vida, tal como o fez Ulisses, o herói homérico.
É curioso ver como os homens desses romances, especialmente o Dom Casmurro, respondem à essa provocação que é ao mesmo tempo uma oportunidade. Vai ser mais curioso ainda discutir no Laboratório de Leitura como as mulheres vêm Capitu e como os homens vêm Bentinho. Vamos encarar essa ou… morrer na praia?

Dante Gallian

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